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O bom senso costuma levar uma surra quando o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes se irrita com algo ou alguém que o contrarie. Fiel à aura mercurial que cultiva com denodo, Moraes suspendeu o processo de extradição do búlgaro Vasil Georgiev Vasilev – considerado pelo governo espanhol um traficante de drogas com atuação em Barcelona – imediatamente após a Justiça da Espanha negar a extradição do blogueiro bolsonarista Oswaldo Eustáquio, foragido da Justiça brasileira naquele país.
Segundo Moraes, a decisão de não extraditar Eustáquio, tomada pela 3.ª Seção Penal da Audiência Nacional, uma das mais altas instâncias judiciais da Espanha, teria violado o princípio da reciprocidade inscrito no acordo de extradição firmado entre Brasil e Espanha em 1988 e entronizado no ordenamento jurídico pátrio pelo Decreto 99.340/1990. Pode até ser, mas a reciprocidade não é um “toma lá, dá cá” automático. Espera-se de qualquer juiz a temperança necessária para uma avaliação mais detida das implicações das decisões que toma, um cuidado que Moraes decerto não teve.
A reciprocidade nos processos de extradição não deveria ser tratada como uma barganha rasteira, mas como um princípio que visa a garantir a prevalência do melhor interesse da Justiça de duas nações amigas e soberanas. Ao colocar o caso do blogueiro no mesmo patamar que o de um traficante de drogas, Moraes não apenas rebaixou o nível do debate jurídico entre Brasil e Espanha, como também prestou um desserviço à imagem do STF, já tão conspurcada pelo ativismo exacerbado de alguns de seus membros.
Moraes poderia perfeitamente ter aguardado as explicações solicitadas à Embaixada da Espanha em Brasília antes de tomar uma decisão tão açodada e perigosa. O ministro poderia, ainda, requisitar o auxílio do governo, por meio do Itamaraty, para tentar convencer as autoridades espanholas sobre a importância de Eustáquio responder pelos graves crimes de que é acusado aqui no Brasil. Mas, bem ao seu estilo, Moraes optou por pisar no acelerador e, pasme o leitor, ordenou a soltura do búlgaro – preso em Mato Grosso do Sul em fevereiro deste ano – como corolário da suspensão do processo de extradição do traficante no STF.
O resultado dessa picuinha é a nada desprezível possibilidade de Vasilev fugir do Brasil, agora que foi enviado à prisão domiciliar com uso de tornozeleira eletrônica. Se isso acontecer, será uma humilhação para o Poder Judiciário brasileiro e uma derrota para o sistema de persecução criminal da Espanha. Não é pouca coisa o que está em jogo.
Segundo a Audiência Nacional, os fatos que instruíram o pedido de extradição de Eustáquio teriam “evidente ligação e motivação política”, o que, em tese, impede sua entrega às autoridades brasileiras com base no acordo de extradição. De fato, o artigo IV, item 1, alínea f do Decreto 99.340/1990 é taxativo ao determinar que não será concedida a extradição “quando a infração construir delito político ou fato conexo”.
A esse propósito, é preciso registrar que é bastante significativo que a Justiça da Espanha – país plenamente democrático, governado pela esquerda e amigo do Brasil, portanto insuspeito de simpatias por bolsonaristas e afins – considere que o processo contra esse blogueiro é “político”. Deveríamos prestar atenção nisso.
Mas, claro, o ministro Alexandre de Moraes tem certeza absoluta de que o processo contra Oswaldo Eustáquio não tem nada de político, provável razão pela qual reagiu de maneira destrambelhada para retaliar a Justiça espanhola, relaxando a prisão de um perigoso criminoso internacional. Para o sr. Moraes, ao que parece, um traficante e um blogueiro que falou demais são ameaças semelhantes à sociedade.
É esse tipo de desequilíbrio que contribui para desmoralizar o esforço das instituições para punir todos os que participaram da trama golpista que assombrou o País. Mais uma vez, é preciso insistir: o momento excepcional que talvez justificasse medidas excepcionais já passou faz tempo.