As novas projeções oficiais do governo para as contas públicas evidenciam que, mantidas as condições atuais, não haverá verba para pagar todas as obrigações da União a partir de 2027.
Os números mostram que faltariam R$ 10,9 bilhões para honrar o valor reservado a emendas parlamentares e os gastos mínimos em saúde e educação, que são inescapáveis pelas regras de despesas. Além disso, não teria nem um real para as despesas de manutenção da máquina pública e outros investimentos.
Não se trata de faltar dinheiro, mas espaço dentro das regras fiscais. O problema já é conhecido: as despesas obrigatórias, como benefícios previdenciários e assistenciais, estão crescendo em velocidade incompatível com o limite de gastos criado pelo novo arcabouço fiscal, que permite uma atualização real de, no máximo, 2,5% ao ano.
Os especialistas apontam que o governo criou uma arapuca para si mesmo, porque decidiu retomar a regra de valorização real do salário mínimo, que atualiza o valor dos benefícios assistenciais e do INSS, e a vinculação à receita dos pisos de saúde e educação, as principais rubricas que crescem acima do limite de gastos atualmente.
A partir de 2027, o retorno integral do pagamento dos precatórios para a contabilidade do limite de gastos e da meta fiscal, com o fim do período contemplado pela decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), complica ainda mais a equação. Essas são despesas do governo decorrentes de derrotas no Judiciário, uma cifra que tem subido todos os anos.
No ano em questão, o governo prevê que as despesas devem alcançar R$ 2,647 trilhões, mas 95,4% seriam consumidas com os gastos obrigatórios, incluindo os precatórios. Sobrariam somente R$ 122,2 bilhões para os gastos discricionários, segundo as projeções divulgadas que constam no projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) de 2026, cujos detalhes foram divulgados ontem.
Desse valor, no entanto, ainda precisam ser abatidas as despesas com os pisos (R$ 76,6 bilhões) e as emendas (R$ 56,5 bilhões), que juntos somam R$ 133,1 bilhões. Faltariam, portanto, R$ 10,9 bilhões, só para cumprir essas obrigações, sem considerar ainda os gastos com as contas do dia a dia dos ministérios ou novas políticas públicas.
Segundo as projeções, o ano de 2027 só inaugura o problema. A situação só se deteriora nos anos seguintes. Em 2028, faltariam R$ 87,3 bilhões e, em 2029, último ano com estimativas oficiais disponíveis, a conta ficaria no vermelho em R$ 154,2 bilhões.
Perguntados sobre qual seria o plano do governo para lidar com a situação, os ministérios da Fazenda e do Planejamento não se manifestaram até o fechamento desta edição. Ontem, o ministro da Fazenda Fernando Haddad, comentou que o governo ainda não discute um plano específico para lidar com a perspectiva de falta de espaço para gastos mínimos em saúde e educação.
— A cada etapa que for cumprida a gente vai tomando providências para acertar o Orçamento. Ainda não abrimos discussão sobre isso, estamos trabalhando nesses assuntos, tem muitos desafios, como a questão dos precatórios (dívidas judiciais do governo para as quais não cabe recurso) — afirmou, após participar de programa da estatal Empresa Brasil Comunicação.
Haddad também disse que as despesas do governo com precatórios e emendas parlamentares estão entre os temas que precisam ser debatidos:
— Precisamos discutir com a sociedade e o próprio Judiciário como tratar esse tema, que ganhou tração no último governo. Teve um salto muito grande no governo (Jair) Bolsonaro, saiu de uma coisa em torno de R$ 50 bilhões e quase dobrou. Para um país que precisa fazer um ajuste nas contas, é um desafio grande. O volume de precatórios e emendas não existia num passado recente, tem muitas coisas que precisam ser conversadas.
A concretização de um cenário de completa paralisia, porém, é inviável, dizem os especialistas em contas públicas, o que aponta para urgência de novas medidas para conter os gastos obrigatórios. Caso contrário, a avaliação é que as metas fiscais serão descumpridas ou que as atuais regras serão alteradas.
— Não vai sobrar dinheiro. Zero para qualquer outra despesa discricionária que não sejam emenda parlamentar e despesa discricionária de saúde e educação. Obviamente, isso não é uma situação factível — diz Marcos Mendes, economista e pesquisador do Insper.
Diante disso, Mendes avalia que o cenário mais provável é o governo Luiz Inácio Lula da Silva afrouxar as regras do arcabouço fiscal, já que mostra limites para avançar em reformas efetivas de controle de despesas. Segundo ele, seria necessário rever, por exemplo, a regra do salário mínimo, a vinculação de despesas obrigatórias ao mínimo, a vinculação de gastos à variação da receita e limitar o montante de emendas parlamentares.
“A cada etapa que for cumprida a gente vai tomando providências para acertar o Orçamento. Ainda não abrimos discussão sobre isso, estamos trabalhando nesses assuntos” - Fernando Haddad, ministro da Fazenda.
— Acaba que o mais conveniente, do ponto de vista das pretensões do governo e do Congresso, seria realmente afrouxar o arcabouço, porque aumenta a despesa e atende todo mundo. Em ano eleitoral, o governo não precisa apresentar medidas duras e o Congresso aproveita para enxertar novas despesas. Fica todo mundo contente na arena política, mas o resultado para o país é mais inflação, mais juros e menos crescimento.
Integrantes do governo, porém, avaliam que as projeções de médio prazo têm justamente o objetivo de alertar para os desafios nas contas públicas, o que pode ajudar a convencer a ala política sobre a necessidade de novas medidas de ajuste. Há limitações, porém, diante das eleições presidenciais e o baque na popularidade do presidente.
A ministra do Planejamento, Simone Tebet, já disse que enxerga uma “janela” para novos cortes de gastos na virada de 2026 para 2027.
Um interlocutor da equipe econômica ainda avaliou que os superávits previstos mostram que o governo está na direção certa, embora sejam necessárias novas ações especialmente em relação às despesas obrigatórias.
No fim do ano passado, Haddad apresentou um pacote de medidas que mirava conter a velocidade de crescimento das despesas obrigatórias, mas foi considerado tímido pelo mercado financeiro. A revisão dos pisos e a desvinculação de parte de benefícios em relação ao salário mínimo, contudo, chegaram a ser cogitadas, mas foram vetadas na discussão política, que envolveu diversos integrantes do governo.
O economista Tiago Sbardelotto, da XP Investimentos, avalia que, em caso de uma nova solução para os precatórios, o governo pode ganhar uma sobrevida em 2027, mas a bomba já estouraria em 2028, sem reformas significativas nos gastos obrigatórios.
— O que o PLDO mostra é que, mesmo tirando o efeito dos precatórios, ainda assim teria uma queda significativa das despesas discricionárias entre 2026 e 2027, em torno de R$ 30 bilhões.
O diretor da Instituição Fiscal Independente do Senado (IFI), Alexandre Seijas, destaca que uma nova reforma da Previdência pode ser necessária:
— Em algum momento, a sociedade e o Congresso vão ter que discutir as dinâmicas das despesas.
Sem nenhuma sinalização de como o problema será resolvido, Matheus Ribeiro, analista da BRGC, destaca a elevada incerteza no cenário econômico diante da sinalização do governo de que não deve propor mudanças neste mandato.
— É um Orçamento que começa daqui a um ano e meio e não há um endereçamento da questão. O Estado vai caber nas regras, ou as regras serão afrouxadas para caber o Estado? Não existe uma sinalização do Congresso e dos principais partidos sobre a questão.
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