Marcio Callage, diretor de marketing da Olympikus, conta em entrevista ao GLOBO como reposicionou a marca de tênis no mercado brasileiro. Em 1997, segundo dados de pesquisa, o tênis Olympikus tinha fama de ser ruim e feio. "As pessoas tinham vergonha de usar Olympikus", conta ele. Hoje, com o Corre, tênis "pau para toda obra", Callage transformou a marca na principal escolha do brasileiro para a corrida, principalmente para quem não vai investir uma fortuna na compra do acessório.
Neste domingo (7), a marca celebrou o quarto ano consecutivo de parceria com a Maratona de São Paulo, evento incluído na lista de seus 50 anos. A Olympikus é patrocinadora, marca esportiva oficial do evento e teve 15 atletas no pelotão de elite. Lançou uma edição especial do Corre 4, na cor azul e com design inspirado na capital paulista.
A família Corre, que hoje conta com cinco modelos diferentes, ganhará dois novos tênis em 2025 e duas novas atualizações. O Corre 4 terá novas cores entre abril e maio. A quinta versão será lançada no ano que vem, quando se encerrarão as comemorações pelos 50 anos da marca.
Quando a Olympikus percebeu que havia demanda por tênis de corrida compatível com a realidade financeira do brasileiro?
A Olympikus sempre foi uma marca que democratiza o acesso ao calçado. É a história da marca, o foco sempre foi o custo-benefício. Ao final de um ciclo de investimentos nos esportes olímpicos, com o vôlei, o COB e os Jogos Pan-americanos, a Olympikus se viu carente de um esporte para chamar de seu. Fizemos um trabalho de reposicionamento da marca e, em 2018, nos perguntamos: e se a gente fizer um tênis com alta tecnologia para quem quer correr de verdade? Foi quando nasceu a ideia de convidar brasileiros para cocriar o melhor tênis de corrida já feito no Brasil. E a partir daí essa trilha do tênis começa a acontecer.
Quando o Brasil passou a ter tecnologia para concorrer com as marcas estrangeiras?
A gente já tinha tecnologia e conhecimento técnico. Máquinas, equipamentos, parque fabril, espuma... Em 2018, teve um movimento para compra de máquinas retilíneas, que são os teares que fazem o cabedal do Corre e que nos possibilitou desenvolver esse tênis supertranspirável. Mas a gente já tinha condições de produzir tênis capazes de competir com os tênis de entrada das grandes marcas internacionais. Faltava a crença de que era possível fazer um tênis com mais qualidade e com custo que se imaginava ser o limite que um consumidor pagaria no Brasil.
A gente tinha uma barreira de faixa de preço de R$ 200. Hoje esses R$ 200 seriam R$ 300. Então, a quantidade de tecnologia e materiais que a gente conseguiria embarcar no tênis, por mais que a gente tivesse as máquinas, era limitado. O Brasil é muito sensível a preço. A pessoa chega na loja sabendo quanto quer gastar e compra o melhor tênis que dá com aquele dinheiro. Era nessa faixa que estava o grande volume de tênis que vendíamos.
Partiram, então, de R$ 300?
Partimos de: qual o melhor preço possível para o melhor tênis de corrida feito no Brasil? O preço é um dos pilares fundamentais, porque determina a quantidade ou tipos de materiais que colocaremos no produto, mão de obra, etc... Mas o preço nunca foi briefing no Corre. A gente desconstruiu o preço, e por isso ele pode custar mais caro (R$ 550). A gente já tinha o Pride, muito bom para um tênis de R$ 200. E o Corre era um produto que poderia custar mais dentro da empresa, como um projeto-piloto, para mostrar o atual estágio de desenvolvimento do Brasil em relação à tecnologia para corrida. O Corre nasce com essa missão, ser uma expressão da capacidade da Olympikus de fazer um tênis com tecnologia e quebrar a barreira do preconceito.
Qual era a meta de vendas?
A gente não tinha obrigação de fazer volume. Abrimos mão porque a gente precisava vender para as pessoas certas. A gente não tinha obrigação de vender o Corre 1. A gente não tem obrigação de vender, mas a gente vende muito. Chegamos a esse lugar.
O primeiro Corre já foi um sucesso?
Foi um sucesso porque credenciou a Olympikus a continuar sonhando. A gente lançou o produto, ele foi bem-aceito, as pessoas se surpreenderam, e a partir dali a gente pode pensar no Corre 2, que é o arquétipo do tênis, que, aí sim, virou a chave e transformou o Corre em um ícone, um tênis desejado.
É com a segunda versão que a marca alcançou o "tênis de qualidade" para corrida?
O Corre 2 é a construção de algo raro no universo de todos os negócios que é encontrar um herói para a sua marca, um produto protagonista. Ele de fato se torna um produto que transcende a corrida, entra para o lifestyle, traz inovações absurdas, como a leveza e um cabedal totalmente brasileiro. Essa perspectiva de um cabedal tão transpirável é algo totalmente tropical. É a necessidade de uma marca brasileira. Nesse processo de cocriação, com base em pesquisa, o dado de que o pé do brasileiro é mais largo também foi pensado. A gente fez um tênis que as pessoas colocaram no pé e se surpreenderam, nem sentiram. E tinha ainda a questão que a corrida estava virando moda, e a gente trouxe esse design original, com paleta de cores diferentes das que estávamos acostumados a ver nos produtos de performance. Tudo isso contado pelas pessoas, que recomendaram a outras.
As outras marcas também têm cabedal transpirável.
Mas não tão transpirável. É difícil encontrar um tênis que tenha isso, e que seque tão rápido. Ainda mais nesse universo até R$ 1.000.
O brasileiro perdeu o preconceito com a Olympikus?
Existia isso, sim. O brasileiro não reconhecia no Brasil a capacidade de desenvolver tecnologia. Não é só sobre tênis. A gente tem uma Embraer fazendo avião, mas são poucas expressões... E em calçados ainda mais porque não tinha ninguém fazendo. No ano que entrei na empresa, em 2017, a gente viu em pesquisa que as pessoas não queriam ser vistas usando Olympikus. Elas usavam, mas não queriam ser vistas. Compravam porque não tinham opção. Esse era o cenário. Hoje, a Olympikus é a marca mais usada pelo corredor brasileiro, segundo o Strava, o que traz um simbolismo gigante. Porque no Strava a pessoa é obrigada a declarar com qual tênis corre. As pessoas estão abrindo o Strava e, sem vergonha, estão dizendo que usam Olympikus.
Na sua opinião, o brasileiro usa Olympikus porque o tênis é bom ou porque é barato?
Porque é bom em primeiro lugar. Estamos falando de um tênis de performance. Ou seja, a pessoa vai usar o tênis para correr. Não vai arriscar performance, uma lesão só porque é barato. O brasileiro é esperto, entendeu todo o processo de liquidação das marcas internacionais, que, chega em determinado momento do ano, botam pela metade do preço. Então, é possível encontrar produtos de marcas internacionais nessa faixa de preço. E, ainda assim, estão preferindo comprar Olympikus. E dando um pau. Tem produtos icônicos de marcas internacionais que fizeram história no mundo e sofrem porque o consumidor entra na loja querendo comprar um Corre.
Você comentou que tem marca que teve de sair do pedestal.
A gente sempre viu marcas internacionais construindo sua estratégia a partir de produtos ícones e que estão no topo da pirâmide, muito caros. E uma coleção com outros produtos em outras faixas de preço como opção para o consumidor que não tinha os R$ 1.000 para comprar. Mas as marcas não contam nenhuma história em relação a esses produtos. Com a chegada do Corre, vejo marcas grandes internacionais tendo de desenvolver produto aqui no Brasil, lançando com toda pompa e circunstância porque sabem que o consumidor não precisa de alternativa nessa faixa de preço. A gente ocupou esse espaço, o do tênis com custo-benefício que é muito bom. Se o cara adorou o tênis Olympikus, por que conhecer outro? Nem precisa pensar, mantém o que já gosta. E vejo as marcas internacionais tentando construir um pouco de atenção em torno desses produtos mais baratos para poder entrar na briga.
E se tem muita gente nova entrado na corrida, não vai de cara investir R$ 1.000 em um tênis...
Exatamente. E no momento inicial, de construção de vínculo com o consumidor. E aí a chance que a gente tem de ser o tênis companheiro dele é muito grande.
A alta do dólar e consequentemente o valor alto das marcas importadas influenciam nessa liderança da Olympikus. Mas se o real se valorizar em relação ao dólar e os preços dos tênis importados caírem, você perderá mercado?
Para o Corre, não. Porque é um produto de fato consolidado. Mas óbvio que, se os internacionais eventualmente baixarem de preço, a concorrência ficará mais difícil, são mais competidores brigando pelo mesmo consumidor, o mesmo bolso. E aí? As pessoas estão nos escolhendo, então, enquanto estivermos agradando, escutando essas pessoas, se preocupando de fato com o que essas pessoas querem, com essa história construída junto, a gente está protegido.
Qual o faturamento da Olympikus em 2024?
Não posso falar de marcas em separado. A Vulcabrás registrou faturamento de R$ 3,5 bilhões, crescimento de 9,2% na comparação com 2023. A Olympikus é a marca carro-chefe da empresa.
Quantos pares de tênis a Olympikus vendeu em 2024?
Não podemos dar essa informação. A Vulcabrás apresentou crescimento de 14,7% no seu faturamento, atingindo a marca histórica de mais de R$ 1 bilhão de vendas em um único trimestre. O período representa o 18º trimestre de crescimento contínuo e reflete a força das marcas e a estratégia de expansão do portfólio de produtos voltados para alta performance, impulsionando o aumento do tíquete médio.
Por que, na sua opinião, a corrida é o esporte que mais cresce no país?
A gente sai de uma pandemia com muita vontade de ir para a rua e também com uma discussão importante sobre saúde. Saúde é liberdade. E a gente vê uma transformação geracional absurda, trocando a noite e a balada pelo dia. A corrida no meio disso tudo é o esporte mais democrático que existe. Você não precisa de mais ninguém para correr, nem de tênis caro. E o fenômeno das redes sociais é absurdo, cada um tem um celular na mão e é um transmissor de mensagens. É brutal para a construção de comportamento quando se compartilham transformações, como ter melhor sono, mais disposição. E a corrida te possibilita postar a melhor versão de ti. Pronto.
E por que as mulheres? Segundo pesquisa da marca, 56% começaram a correr há menos de um ano.
Porque mulheres viram mulheres correndo. Simples assim. Até pouco tempo, mulheres eram proibidas de correr maratona. Uma entrou nessa história em função da outra, que influenciou outra e foi.
Qual é o futuro dos clubes de corrida?
Vieram para ficar. Hoje a corrida é das pessoas, não é só de atleta de alta performance. Antes correr era ser um maratonista. Maratonista? Não é para mim... E aí, pessoas comuns começaram a mostrar que correm, caminham. Outros modos de correr foram legitimados. Vi modinhas acontecendo. Vi o beach tennis surgir. Não sei se esse número de corredores vai se manter, acredito que sim. Acho que mais pessoas descobrirão a corrida, na verdade.
Qual a cereja do bolo das comemorações dos 50 anos da marca?
Impossível escolher um filho... Sou capaz de amar vários. Salvador (Meia e Maratona) vai ser incrível, Rio de Janeiro (Meia do Cristo, Corrida do Samba), também. Tem a Maratona de Porto Alegre... Estou feliz de voltar para Fernando de Noronha, onde tudo começou... Em 2017, quando cheguei à Olympikus, a marca tinha como embaixador Bruno Gagliasso. Cheguei para ele e disse que a gente tinha uma questão para resolver. Ele não corria... Como a gente trabalharia a visibilidade? Ele pediu um desafio e se preparou para a Meia Maratona do Rio. Compartilhou sua preparação e foi muito verdadeiro. No final da prova contou sobre o seu Renê, que organiza uma corrida em Fernando de Noronha para moradores locais. Pediu a nossa ajuda para o evento. Fechamos o patrocínio e levamos também algumas pessoas para correr e conhecer Noronha. Surgiu assim o Bota Pra Correr.
E tem treinão nessa lista...
A corrida é de todos e tem gente que não gosta de correr prova. A maioria, segundo pesquisa da nossa marca. Então, por que não se associar a eventos que não têm linha de chegada nem medalha? Montamos test drive de produtos nesses treinos. E pensando em como agregar valores a eles, perguntamos quais os sonhos que querem realizar para a gente realizar junto. No ano passado, o Salve Corre, uma crew de Porto Alegre, que reunia 30 pessoas e que agora tem mais 700, queria fazer um treino que passasse pelo Mercado Público da cidade e terminasse com hambúrguer para todo mundo. Rolou e vai rolar de novo em 2025. E foi tão legal isso que a Maratona de Porto Alegre mudou o percurso e também passa dentro do mercado. Além disso, foi criada a Meia Maratona do Mercado Público.
Qual o novo desafio como marca?
Consolidar o sucesso da família do Corre, construir estas novas franquias, dos outros tênis. E que as pessoas entendam o papel de cada produto e que desejem tanto quanto o Corre 4.
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