O ano era 2013 e eu estava de plantão no Carnaval. Acabava de voltar ao trabalho após uma licença-maternidade de seis meses, incluindo férias e folgas, e não podia escolher em qual data eu iria trabalhar, se no Carnaval ou na Páscoa. Há uma regra nos plantões do jornalismo que funciona da seguinte forma: quem folga no Ano-Novo não pode folgar no Carnaval.
Como em 2012, após dar à luz minha filha caçula, Laura, hoje prestes a completar 13 anos, não trabalhei nem no Natal nem no Ano-novo, ao voltar, fui escalada para dar plantão nos dias de folia, quando Bento 16 renunciou.
Criada em um bairro pobre do extremo-leste da capital paulista, eu era oriunda das Comunidades Eclesiais de Base, entendia bem o idioma italiano e, com esse currículo, fui alocada para a cobertura especial da renúncia do papa, que consistia em uma curadoria de textos para o jornal Agora SP, cujas atividades se encerraram em 2021.
Quando o argentino Jorge Mario Bergolio foi anunciado papa e escolheu ser chamado de Francisco, fiquei muito feliz. São Francisco de Assis foi o santo que me encantou na adolescência, por ter largado tudo que tinha e ter vivido em defesa dos excluídos. A oração atribuída a ele me tocava: "Onde houver ódio, que eu leve o amor".
Eu fui uma "menina de igreja", como meus amigos de colegial e cursinho costumavam dizer. Passei meus dias de juventude entre missas, celebrações, visitas a doentes, campanhas contra fome e auxílio aos mais necessitados no entorno da comunidade Nossa Senhora Aparecida, na Vila Nova Curuçá (zona leste), ao lado dos meus amigos do grupo de jovens, com quem vivi alegrias e dores.
Aos 18 anos, perdi o namorado de 17, morto pelo descaso do estado e da saúde que mata os excluídos. "Íamos" nos casar na Igreja.
Essa morte e a aprovação no vestibular mudaram o rumo de minha vida. Passei a cursar jornalismo na Unesp de Bauru, no interior de São Paulo, e depois, morei em Araraquara, também no interior, onde tive minha primeira filha, Luiza, hoje com 18 anos.
A Igreja Católica me negou o sacramento do casamento ou mesmo uma bênção simbólica de alianças porque me uni a um homem que já tinha se casado na igreja antes.
Na época, consegui a bênção de um pastor evangélico e, grávida, fiz uma pequena celebração. Batizar a primeira filha não foi problema, porque os padrinhos dela eram católicos praticantes, que, como leigos formados, são autorizados a realizar celebrações católicas.
Quando tive a segunda filha, em 2012, já com a Igreja sob o comando do papa Bento 16, meus anos dedicação apostólica mais uma vez não contaram. O batismo da caçula foi negado em diversas igrejas da capital. Além de eu ser uma "mãe solteira" por não ter me casado na igreja, os padrinhos escolhidos também não eram casados.
Até que, em maio, em uma missa em uma missa em Roma, Francisco, o escolhido no lugar de Bento 16 após aquele plantão de Carnaval em 2013, deu a declaração que me acolheu. Segundo ele, não se podia negar o batismo aos filhos de "mães solteiras".
Usei esse argumento em mais algumas igrejas, sem sucesso, porque o legado reacionário de Bento 16 seguia firme. Até que encontrei o padre Paulo Sérgio Bezerra, da Paróquia Nossa Senhora do Carmo, em Itaquera, zona leste de SP.
Padre Paulo batizou minha Laura e recebeu toda a minha família em sua igreja, seguindo não apenas as orientações de Francisco, mas suas convicções e o que sempre defendeu Bergoglio, São Francisco e Jesus Cristo: o acolhimento aos excluídos.
"Não morre quem nos outros vive", é o que dizia uma mensagem católica que me consolou ao perder o namorado na juventude. Francisco vive em Paulo, em mim, em Laura e em todos que acolheu.
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