O livro "Assim Nasceu uma Língua" (Tinta-da-China), do linguista português Fernando Venâncio, morto no último dia 30, aos 80 anos, termina apontando o futuro, no qual vê o português europeu e o brasileiro tomando cada qual seu rumo.
Afirma Venâncio que "a língua materna de brasileiros e a de portugueses entraram numa deriva irreversível que tornará, cada dia que passa, mais difícil reconhecer como seus o léxico, a semântica, a morfologia, a fraseologia, a pragmática, e mais do que tudo a sintaxe, dos outros".
Dessa distância (tanto mar, tanto mar), uma prova é o fato de não haver "traduções lusófonas". Pois é, aquelas que seriam feitas para leitores de todos os países falantes de português —como ocorre em inglês e espanhol— "nunca existiram e nunca existirão".
Até aí, nada muito diferente do que afirmam estudiosos brasileiros de gramática e linguística de algumas décadas para cá. A novidade da contribuição de Venâncio deve ser buscada numa questão de ponto de vista.
Anos atrás, em seu ativo perfil no Facebook —onde era generoso com leitores de boa-fé e fazia picadinho dos sabichões—, o linguista trouxe uma perspectiva d’além-mar ao que por aqui é questão de soberania cultural.
"No Brasil, Portugal abandonou a língua portuguesa à sua sorte", escreveu. "E ainda bem! Pense-se na uniformidade lexical, gramatical e ortográfica que a Espanha impõe como ideal à América de fala espanhola." Deixado sozinho, o português brasileiro "pôde desenvolver em invejável liberdade a sua norma, e vive bem nela".
Que há uma norma brasileira é difícil negar: a repulsa que nossa língua escrita desperta hoje em gordas fatias da população portuguesa —"gente visivelmente de poucas letras, e poucas luzes", diz Venâncio— é reação a uma norma alienígena. Mas será que vivemos bem com isso?
Nesse ponto recomendo cautela. O trabalho de sistematizar uma língua-padrão que espelhe aquela praticada por brasileiros letrados, jogando fora o que é pegadinha, servilismo e entulho lusófilo, ainda é pouco compreendido por grande parte da população.
Confunde-se atualização normativa, trabalho sério e pedagogicamente fundamental, com o reino da oralidade pura e o deboche às regras. Convém ir ao dicionário para recordar o que significa "normativa".
Acredita-se —ou se finge acreditar— que a norma culta brasileira se perderá numa colcha de retalhos de usos regionais, como se fôssemos crianças incapazes de pôr ordem em nossa própria bagunça sem a intervenção do paizão tuga.
Se o português brasileiro vai se separar "oficialmente" do lusitano é papo mais político que linguístico. Talvez nunca aconteça. Estruturalmente, trata-se de línguas cada vez mais distintas, ainda que suas normas cultas conservem grandes semelhanças.
A quem quiser entender melhor o que é atualização normativa, recomendo a "Gramática do Português Brasileiro Escrito" (Parábola), de 2023. O livro é assinado por um linguista cearense, Francisco Eduardo Vieira, e um paranaense, Carlos Alberto Faraco. E não é que eles se entendem bem?
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